Escrevendo o post anterior, lembrei de uma história...
Qual era sua brincadeira preferida?
Essa pergunta é muito interessante, se fizermos ela a pessoas de idades diferentes, principalmente se pusermos lado à lado pessoas com significativas diferenças de idade, certo? Minha mãe, por exemplo, a quase sessenta anos atrás fazia bonecas com sabugos de milho, no interior, meu pai caçava rãs e preás com funda (bodoque) para assar ao meio-dia, como diversão, num mato que rodeava a casa da minha vó. Eu andava de bicicleta, jogava bolinhas de gude, etc. A nova geração já é mais "guri de apartamento", gosta de jogar no PC e ficar no MSN, mas vamos deixar eles de fora, dessa vez.
Na minha época era comum ter rivalidades com a gurizada de outras ruas. Sempre saía briga e era um perigo ser pego sozinho quando eles apareciam. Certa vez, eu e o Chucré, amigão da rua, estávamos comendo goiabas numa árvore quando eles apareceram. Eram uns oito, com suas fundas, e todos disparavam contra nós. Perigoso e dolorido, mas, em outra ocasião, retribuímos a gentileza. O fato é que, fora essas rivalidades, tínhamos também vizinhos terríveis.
Pergunte a algum homem se, na sua infância, nunca teve uma bola fatiada por algum vizinho estressado? Ou que nunca levou uns cascudos do pai por quebrar alguma vidraça, do vizinho xarope? Era muito comum isso acontecer. E nós tínhamos no mínimo cinco vizinhos neste seleto grupo. Mas tinha um que era o principal, o mais ativo, o inimigo número um da piazada: o Alemão.
Pergunte a algum homem se, na sua infância, nunca teve uma bola fatiada por algum vizinho estressado? Ou que nunca levou uns cascudos do pai por quebrar alguma vidraça, do vizinho xarope? Era muito comum isso acontecer. E nós tínhamos no mínimo cinco vizinhos neste seleto grupo. Mas tinha um que era o principal, o mais ativo, o inimigo número um da piazada: o Alemão.
O Alemão usava um largo e espesso bigode. Tinha um campo que ficava ao lado da nossa rua, onde criava alguns animais. A casa dele ficava exatamente na metade da rua, exatamente no meio do espaço delimitado pelas nossas goleiras de tijolo, exatamente onde a bola teimava em cair. Ele tinha grades baixas, nós pulávamos. Ele pôs grades altas, e nós continuávamos pulando. Ele pôs um cachorro grande, nós distraíamos o bicho e pulávamos mesmo assim. Era uma guerra, e ele sempre perdia. Nós sempre flertamos com o perigo, apesar dos protestos e avisos, éramos sempre desafiados e desafiadores.
Tentamos uma vez fazer um tratado de paz. Nós só queríamos jogar bola, e ele não queria que jogássemos na rua. Não tínhamos lugar pra jogar e ele com aquele campo enorme pra meia dúzia de animais. Não podíamos sequer entrar no campo que acabávamos sendo corridos por paus, facões ou tiros de sal. Um dia resolveram fazer uma reunião, entre ele e alguns pais e saiu um acordo. Ele cederia um espaço no campo pra nós. Foi uma festa. Durante algum tempo, a rua ficou tranqüila. Juntamos dinheiro, montamos a goleira, arrumamos o campo e compramos bola nova. Você podia ver um bando de meninos com pás, enxadas, martelos e pregos nas mãos. Passamos até cal pra marcar o campo!
"Quem muito ri, acaba chorando!"
Com o campo numa lindeza só, éramos só alegria. Certo dia, peguei a bola e comecei a chamar um a um dos meus amigos, nas respectivas casas. Fechado o número suficiente, pulamos o muro e, qual foi a nossa surpresa? O velho havia passado o arado no nosso campo, derrubado nossas goleiras e tinha feito uma pilha enorme de lenha onde era o nosso banco de reservas. Imagine a frustração, depois de tanto trabalho? Dava pra imaginar a cara dele, rindo. Ele havia nos pregado uma peça. Tinha se vingado! Desgraçado!
Mas o mundo dá voltas, né?
Mas o mundo dá voltas, né?
Passado algum tempo, já com nossos jogos de volta à rua e toda a confusão retomada, decidimos voltar mais uma vez ao campo, pra conversar sob as árvores, num fim de tarde. No local onde era o nosso banco de reservas ainda estava a pilha de lenha. Um dos guris portava um isqueiro. Era só juntar um mais um. A desforra.
Ninguém nunca mais se esqueceu daquela noite, pois parecia dia. Tacamos fogo naquela pilha de lenha. Naturalmente, fomos corridos a facão e porrete, tomamos sermão até não querer mais, mas nem nossos pais acreditavam naquilo que estavam nos dizendo. Todos se sentiam vingados.
Ninguém nunca mais se esqueceu daquela noite, pois parecia dia. Tacamos fogo naquela pilha de lenha. Naturalmente, fomos corridos a facão e porrete, tomamos sermão até não querer mais, mas nem nossos pais acreditavam naquilo que estavam nos dizendo. Todos se sentiam vingados.
O melhor era voltar a jogar bola na rua, olhar pra ele com um sorrisinho no canto da boca e o ver espumando como cão raivoso.
Toda rua tem um Alemão. Todo grupinho de amigos tem seus inimigos. Bairros têm rivais. Governos têm rivais, mas como o mundo dá voltas e o tempo passa, hoje sou adulto e vou ter filhos. Pra mim hoje é fácil entender o que acontecia, apesar de não concordar com as atitudes dele. Usando minha parca sabedoria sei que é bom ter calma e paciência nessas horas, afinal todos crescem um dia, né?
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