quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Sinal do fim dos tempos - Um breve relato

Nas últimas datas comemorativas, não ganhávamos presentes. Tudo bem, pensava eu. Eram tempos difíceis, qualquer dinheirinho era importantíssimo, mas a Dona Genô tinha ganhado algumas lembrancinhas. Sem problemas, pensava eu. Quando as coisas melhorarem, vou fazer um upgrade no PC, pra poder jogar melhor. Nosso PC novo é bom, mas não dava pra jogar alguns jogos novos, por falta de placa de vídeo, memória RAM, etc., porém Dona Genô resistia. Já brigávamos muito pela exclusividade daquele cérebro de silício.

Pois o tempo passou, e já era hora. Vou fazer o upgrade do PC, pensei eu. Neste momento, Dona Genô plantou a semente da dúvida na minha mente: "Quem sabe tu não faz o upgrade e compra um PLAY2?". Ó CÉUS, Ó VIDA! E agora? Depois de muito pensar, e já conhecendo claramente as reais intenções da moça, decidi ficar com o videogueime, certo de que esta escolha determinaria a minha alegria, a minha felicidade, a minha total liberdade no parquinho de diversões dos jogos eletrônicos. Pensava eu.

Hoje brigamos pelo PLAY2. O PC está vegetativo.

Detalhe sórdido: ontem, às dez da noite, uma colega dela, de trabalho, liga lá pra casa pra ter dicas de um JOGO. De PLAY2, é lógico!

Acho que vou voltar pra casa do pai...

terça-feira, 12 de agosto de 2008

Three Little Birds

Que coisa, não? A expectativa me matava, a muito tempo, mesmo antes do primeiro Natele da Dona Genô. Aí vieram os exames. Trinta dias pra regularizar a tireóide da moça, mais uns dias por desconforto no joelho... Acho que amansei, mas isso é bom. A expectativa exagerada podia gerar algum estresse e complicar as tentativas, por isso eu estou naquelas de "Don't worry about a thing / Cause every little thing is gonna be all right". Só não estou fazendo uso de nenhuma substância psicotrópica, mas de resto, é por aí mesmo.

Pudemos arrumar um pouco mais a cabeça, conversamos bastante, e agora as coisas estão mais claras do que nunca. A única coisa que não conseguimos arrumar foi a bagunça no quartinho. A família é bagunceira, sabe como é...

Mas por enquanto, vamos seguindo a filosofia rasta de amor e paz. A bandeira do Rio Grande tem as mesmas cores da bandeira rasta, não? Que coincidência!

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Rotina

O dia iniciou normal, típico e rotineiro. Lia acordou, tomou seu café com a família, arrumou sua pasta e correu para pegar o ônibus. Sempre se atrasava, sempre chegava correndo, e Jorge, o motorista, cumpria os metros daquela quadra vagarosamente, pois sempre avistava Lia e seus negros cabelos esvoaçantes a romper o asfalto a passadas desajeitadas. Algumas vezes já vira a garota cair em meio aos seus papéis no meio da rua, que era tranqüila. Sentava sempre no mesmo banco, ao lado do adolescente de headfones. Fazia a viagem ouvindo música, pois o volume era altíssimo. À esquerda, uma senhora gorda mastigava o seu pão com mortadela. No banco da frente, um negro forte usando regata da academia. Às costas, Seu Vicente, o músico. Carregava no estojo o belo saxofone e volta e meia solfejava alguma canção. À frente da mulher gorda, uma mãe e seus dois filhos. Aguardava mais um. Eram comportados até, mas sempre achavam um jeito de fazer alguma pirraça e infernizar os passageiros. Atrás da gorda, um rapaz de óculos que tentava todos os dias puxar assunto com ela, porém, Lia sempre chegava ao ponto antes dele conseguir pronunciar alguma palavra.
A semana se arrastava corriqueira. O mesmo desjejum, o mesmo ônibus, as mesmas pessoas, o mesmo trabalho. A vida de Lia era chata e cansativa. Assim, entrou em depressão. Foi até a farmácia e comprou calmantes. Tomou-os ali mesmo, em frente ao estabelecimento. Todos.

Lia não tomou o ônibus na semana seguinte. Havia entrado em coma devido ao excesso de medicamentos. Dois verões depois ela acordou. Era manhã e todos da família estavam no quarto do hospital, alimentando-se. Não sentia os membros, tinha a boca seca. Olhou ao redor. Todos tomavam café. Seus pais, o irmãozinho, Jorge, o motorista, a mulher gorda e uma mortadela enorme, o negro forte de regata, a mãe com três filhos, e o guri dos headfones, tudo isso com o fundo musical de Vicente e seu saxofone. Tentou falar, mas as palavras não saíam. Tinha um tubo na boca. Tentou retirá-lo, mas não pode. Não tinha forças. Movia os olhos, torcendo para que alguém percebesse, mas não obteve sucesso. A situação era aterradora. Ela chorava, mas não vertiam lágrimas de seus olhos. Foi quando ele chegou. O rapaz de óculos. Trazia consigo um enorme buquê de flores e bombons, que depositara sobre a mesa de cabeceira. Tomou a mão de Lia e a acariciou. Quando deslocou a visão para seu rosto, chocou-se. Vira os olhos da moça arregalados, numa expressão de terror. Chamou apressadamente as enfermeiras. Com a mão direita dela sobre a sua, acariciou seus cabelos com a esquerda, enquanto pedia calma. Usava expressões como "meu bem", "meu amor", "querida". Expressões que deixavam Lia cada vez mais confusa. Com a chegada das enfermeiras, ele fora afastado, e, neste momento, pôde ver a vistosa aliança na sua mão esquerda. Tomada de desespero, tentou olhar sua mão. Também tinha uma aliança do mesmo tamanho e formato.
Estava completamente perdida e confusa. Estaria casada? Por que todos comiam enquanto ela tentava se comunicar? Por que o pessoal do ônibus estava lá? E por que Seu Vicente tocava sax em pleno hospital?
Lia havia despertado há algumas semanas. Por alguma complicação neurológica, não falava e aos poucos, com fisioterapia, recuperava os movimentos. Enquanto isso, Mark, o rapaz de óculos, mostrava álbuns de fotografias, onde eles apareciam juntos em diversos lugares, inclusive numa visita ao Taj Mahal. Mostrara fotos do casamento, lua de mel, da casa dos dois. Tentava recuperar o passado perdido. Porém, todo dia tinha a mesma rotina. A família tomando café junto com Jorge, o Motorista, a mulher gorda e sua mortadela, o negro forte com sua regata da academia, a mulher e seus três filhos, o adolescente de headfones e Seu Vicente, tocando sax. Chegara a tal ponto que aquela vida já não lhe era estranha. Era confortável. Era rotina. Amava Mark e tudo o que ele significava em sua existência. Queria voltar a viver com ele e conhecer o mundo e um mundo diferente. Faziam planos, viagens, bens para a casa nova, teatro, cinema, shows. Era tudo maravilhoso, até que uma enfermeira os interrompe. Com um forte puxão, joga Mark longe e começa a dar tapas em seu rosto. Lia gritava pedindo que parasse, mas ela não parava. Lia tentava lutar, mas ela não parava.

Ela falava alto "Lia acorda!", e repetia várias vezes. Com as mãos, Lia tentava afastar a agressora, mas não conseguia. Resmungava. Ela acordara em outro hospital, agora com os pais ao lado.
- Filha, você está bem? Tomamos um susto! - Perguntou o pai.
- Onde eu estou? Cadê todo mundo?
- Não tem mais ninguém aqui filha, só nós dois. O Bruninho ficou na vovó! - Respondeu a mãe.
- Você tomou muitos calmantes e acabou desmaiando na rua. Tiveram que fazer uma lavagem estomacal, mas você vai ficar bem! - Continuou o pai.
Recobrando a consciência, lia compreendeu tudo. Fora tudo imaginação, uma alucinação. Fruto da overdose de calmantes. Mas e se as respostas estivessem ali? Que tipo de respostas estariam presas à sua mente e libertadas em forma de metáforas neste momento de "lucidez alucinada"?
Voltaram pra casa no mesmo dia. Ela reencontrou familiares e amigos e tranqüilizou a todos, dizendo que não repetiria aquilo. Até para Lia aquilo parecia ter sido uma tremenda bobagem, uma infantilidade. Não o repetiria. Não mesmo. Descansou por três dias. Na quarta-feira, levantou-se. Era hora de voltar ao trabalho. Mas não seria tudo igual. Mudaria o curso das coisas. Levantou-se mais cedo, tomou um belo banho, vestiu sua melhor roupa, perfumou-se e saiu com sua pasta a tira-colo. Deu bom dia à família e saiu, sem comer. Chegou à parada e esperou o ônibus de Jorge por dez minutos. Entrou pisando forte. Passou pela mulher, seus dois filhos e a barriga, passou pelo negro forte com a regada da academia, passou pelo adolescente de headfones, passou pela mulher gorda e seu sanduíche de mortadela, passou pelo Seu Vicente e seu belo sax no estojo, que solfejava alguma canção e chegou a Mark. Parou à sua frente, firmou as pernas, para não perder equilíbrio, jogou sua pasta sobre o banco e, olhando em seus olhos disse:
- Eu te amo!
Tascou-lhe um tremendo beijo. Jorge parara o ônibus. As crianças ficaram quietas, a mulher teve um desconforto ao virar para trás. O negro forte encheu os olhos de lágrimas, o adolescente tirou os headfones, a mulher gorda deixou cair a mortadela (ficou só com pão e manteiga) e Seu Vicente, já estava tirando o sax do estojo quando Mark reagiu:
- Stop! Are you insane?
- Como? - Perguntou Lia, atônita.
- Você estarr maluco? - Repetiu Mark.
- Não, não estou maluca. Estou apaixonada por você, Mark! - Disse lia, com o coração acelerado.
- No, no, no! I'm not Mark! My name is Stefan, and I'm gay! - Disse o rapaz, estupefato.

Silêncio total no ônibus.

- Não pode ser! Fomos perfeitos um pro outro! Você tenta todos os dias puxar assunto comigo neste ônibus! - Retrucou Lia, incrédula.
- Sim, você estarr coreto! But eu quererr dizerr que seu cabelo is fantastic, but until this day eu não saber how to say that! I'm sorry!

Lia quebrou seus próprios paradigmas. Mudou sua rotina, conheceu novas pessoas e arrumou um namorado, porém é Stefan, que continua chamando de Mark, seu melhor amigo. Juntos conheceram diversos cartões postais brasileiros e o Taj Mahal. Lia, desde então, não gasta mais nada em salões de beleza.